sexta-feira, 4 de julho de 2008

SR. DO ADEUS






04 - Pão Pra Multidão - Donna Maria

No concerto dos Donna Maria fiquei curiosa quando a Marisa menciou que a letra “Pão p’rá Multidão”, faz referencia ao Sr do Adeus ou também conhecido por: Sr. Do Saldanha. Não tinha reparado em tão interessante pormenor!
O Sr. que diz Adeus!
Quem é que não o conhece a história de um homem, que, desde há cinco anos, tem como objectivo de vida ir, todas as noites do ano, para a Praça do Saldanha e por ali ficar, junto de um semáforo, desde a meia-noite até às três da manhã?!
É como uma versão contemporânea do Velho do Restelo de Camões. :-)

Disse numa entrevista: Chamam-me o Senhor do Adeus, mas eu sou o Senhor do Olá. Aquele que acena no Saldanha, a partir da meia-noite.”

“Venho para a Praça Duque de Saldanha desde que fiquei nas mãos de não ter ninguém.”

E ficar nas mãos de não ter ninguém é resumir num verso o drama de uma vida!
A sua figura sempre me intrigou, não resisto àquele aceno contagiante, ao sorriso ternurento e ao olhar de partir o coração!
Sempre que passo por ele busco-o incessantemente com o olhar.
Gostava de saber a sua história! Sinto sempre vontade de parar o carro e ir falar com ele.
Depois de ler “A Saga De Um Pensador” de Augusto Cury, fiquei ainda com mais curiosidade de saber quem é aquele Sr. Que todas as noites, nos sorri e acena como se nos conhecesse.
Quem é este homem que se esconde na pele de um “louco de Lisboa”, um mendigo...que de porte aristocrático, veste uma camisola de gola alta escura e um fato clássico, cabelo ondulado grisalho minuciosamente penteado repleto de gel, sorriso nos lábios, óculos de massa preta ...
Aparenta AMAR aquela breve liberdade nocturna que expressa felicidade e uma grande historia de vida escondida por trás do seu simples adeus. Historias possivelmente comuns a tantas outras, mas poucos ousam ser livres desta forma e de alguma forma combaterem a solidão. Como o próprio disse:
“Estou sujeito a que me chamem maluco, mas não me importo. Da minha solidão, sei eu.”

Hoje quis conhecer a sua historia. Pesquisei e encontrei!
Assim, àquele que por momentos partilha o seu sorriso, que em particular me emociona, me alegra, e me faz pensar na vida, na partilha de mim mesma com o mundo e que nem sequer nada nos pede em troca, esta é a minha homenagem.

Esta é a breve história de alguém que foi perdendo todos aqueles que constituíram o seu mundo.
"Tudo começou há três anos e meio, depois da morte da mãe, com quem vivia.
João Paulo Serra, de então 69 anos, precisava de se distrair, incomodava-o a ideia de estar sozinho em casa. Um dia, aconteceu.
Já reparara que as pessoas o cumprimentavam sem razão, nos centros comerciais e, sem saber como nem porquê, surgiu o primeiro aceno na estrada. Depois veio outro e outro, e o acaso virou fenómeno. «No início era só rapaziada nova, mas depois contagiei todo o tipo de gente», explica sem esconder um certo orgulho.
Graças ao seu «milagre», já deu entrevistas para a televisão e para os jornais, apareceu em dois filmes e até num teledisco. «Sempre quis ser actor, mas nunca me deixaram...». Ou nunca teve coragem de tentar.
Algumas dezenas de acenos mais tarde, já não são um João risonho e despreocupado, «com imensos amigos» com quem vai «ao teatro e ao cinema», que fala por detrás dos óculos de massa negra. Nos olhos cinzentos, estão duas lágrimas contidas. Pelo passado, pelo presente e por um futuro que não chega.
Com um raciocínio de fazer inveja aos mais novos, o louco, o excêntrico, transforma-se lentamente num avô contador de histórias, que lê Agatha Christie para combater o medo ao andar de avião, que não tem telemóvel porque detesta máquinas.
Nasceu no seio de uma família muito rica. Até aos dez anos, viveu num enorme palacete do Tomás Ribeiro, cobiçado mesmo pelo próprio Gulbenkian. «Que saudades tenho desse tempo... A casa estava sempre cheia de família e amigos...». Mimado desde bebé, fez a instrução primária toda em casa, com um professor particular, pois no primeiro dia de aulas no Colégio Parisiense chorou tanto, que os pais não tiveram coragem de o mandar de volta. «Fui criado numa redoma de vidro», confessa, explicando: «Naquela época era tudo muito diferente, havia muitos tabus.» Depois do divórcio dos seus progenitores, quando tinha 13 anos, João foi morar para o Restelo com o pai. Por ele, inscreveu-se em Direito, mas depressa desistiu, «era muito chato».Depois de uma igualmente curta passagem pelo curso de Histórico-Filosóficas, o pai, «que não sabia o que fazer» com ele, mandou-o para Londres, com o irmão.«Foram três anos fantásticos. Tinha um grupo de amigos fabuloso, com quem viajei imenso. Teria lá ficado, se não fosse tão agarrado à família...» Sem quase pôr os pés nas aulas, regressou a Portugal e, depois da morte do pai, pouco tempo depois, foi morar com a mãe, de quem não se separou até ao último dia da sua vida.
«Viajámos muito os dois. Todos os anos íamos a Paris e Madrid. Conheço a Europa inteira, excepto a Grécia...» E o olhar perde-se num momento só dele, como se pensasse alto. Quando a mãe morreu, «ficou desolado». E talvez por isso esteja todas as noites a «comunicar». Admite que o que faz «não é muito normal», mas não passa sem isso. É o remédio que lhe permite disfarçar a solidão que o consome e o faz olhar para o passado com arrependimento, por não ter ousado viver a sua vida em vez da dos outros. «Às vezes penso que foi tudo inútil...».
No baú dos sonhos perdidos, está o curso que não tirou, o trabalho que nunca fez, os filhos que não teve e, pior, o grande amor que nunca conheceu.«Sinto-me só. Incompleto. Como se algo estivesse a falhar.» E assim lacrimeja quando vê um casal idoso de mãos dadas, ou quando dois rapazes, que diz «reconhecer do subconsciente», param o jipe para tirar uma fotografia com ele.
O mundo está cheio de histórias de solidão. Histórias terríveis de solidão.
Mas a forma como este homem resolveu minimizar a sua dá-lhe uma outra dimensão. Por isso fico, assim, estupefacta, entre o surpreendida e o comovida. Com necessidade de entender.

De que adianta acumular tesouros se a felicidade não podes comprar e da solidão nem sempre podes ter a ousadia de fugir?

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